|
Carlos Barros
(editor) - HISTORIA A DEBATE, Actas do II Congresso Internacional
"Historia A Debate", realizado em Santiago de Compostela de 14 a 18
de Julho de 1999, t. I (Cambio de Siglo), t.II (Nuevos
paradigmas), t. III (Problemas de Historiografia),
Santiago de Compostela, HAD, 2000, 1235 p.
De 14 a 18 de Julho de 1999
reuniram-se em Santiago de Compostela cerca de três centenas de
Historiadores de todo o mundo para participarem no II Colóquio
Internacional Historia A Debate. Ao mesmo tempo realizou-se,
através da Internet, o I Congresso Virtual HaD. No contexto deste
Congresso os historiadores foram ainda solicitados a pronunciar-se
sobre diversas matérias referentes à História e ao ofício do
historiador através da realização de um inquérito (Encuesta).
Os objectivos do II
Congresso Historia a Debate foram enunciados da seguinte
forma pela organização:
"Queremos actualizar as
nossas reflexões e debates sobre metodologia e epistemologia da
História, continuar a inovar perspectivas de investigação, ajudar a
colocar a historiografia como campo de estudo no auge, combater a
fragmentação da nossa disciplina, promover a globalização da
História que se escreve. Queremos sobretudo ir além da "crise da
História" dinamizando alternativas, descobrindo novos paradigmas ou
consensos que orientem o ofício de historiador no novo século, o
qual só será possível se, ao mesmo tempo, nos reencontrarmos com a
sociedade, assumindo de alguma forma a responsabilidade da História
perante os problemas de um mundo em transição, começando pelos
nossos problemas como investigadores e professores de
História".
A este desafio responderam
mais de três centenas de historiadores. Para publicação foram
seleccionados 79 conferências e as intervenções orais proferidas nas
19 mesas redondas. Deste colóquio resultaram 1235 páginas de texto
muito denso, distribuídas por 3 tomos, de reflexão epistemológica e
metodológica sobre o ofício do historiador e sobre o processo de
construção do conhecimento histórico, fruto da reflexão de
diversos historiadores submetida a um amplo debate que evidenciou um
grande compromisso de historiadores e filósofos na discussão
dos grandes problemas que se colocavam à História no final do
século XX, debate que se caracterizou por uma grande abertura à
problematização, à crítica, à inovação e à criatividade.
Santiago de Compostela,
terra com uma forte tradição de acolhimento de gentes de todo o
mundo, constitui-se mais uma vez como um lugar central no panorama
historiográfico mundial. Com efeito, esta cidade tem sido palco da
realização de encontros científicos que marcaram a ciência histórica
mundial, dos quais destaco os Congressos de Metodologia
Histórica coordenados por Eiras Roel e os Congressos Historia
a Debate dinamizados por Carlos Barros.
Santiago de Compostela
tornou-se um centro de inovação historiográfica porque acolhe e dá
voz a historiadores consagrados por uma vasta experiência de
investigação, mas também a jovens aprendizes do ofício de
historiador, animados por generosas utopias de construção de um
mundo mais humano e menos injusto e que acreditam que a História é
um instrumento privilegiado para pensar os problemas do homem e para
perspectivar de forma mais correcta as soluções para esses
problemas.
Neste congresso ouviram-se
as palavras sábias de Jacques Revel, perspectivando a escrita da
História em tempo longo e demonstrando que continuidade e inovação
se entrelaçam no discurso histórico, mas também a voz de
historiadores mais jovens, de pensamento menos sistematizado, mas
cheios de coragem para desbravar terreno que acolherá as sementes
que irão frutificar ao longo do século XXI.
A quantidade de
comunicações e de intervenções nas mesas redondas torna impossível
uma resenha exaustiva de todas elas. O que pretendo por agora é
fazer um convite para a leitura das actas, o que constituirá uma
forma de prolongar o debate até ao III Congresso, momento em que por
certo frutificarão ideias que neste momento estão ainda em flor.
1. A historiografia do
século XX: um olhar projectado no futuro
Um dos aspectos menos
positivos do discurso, ou das leituras do discurso, do projecto de
renovação da história da primeira metade do século XX foi
apresentar-se em contraposição com as correntes anteriores, em
especial a positivista; um discurso de ruptura em contradição com
uma prática que se caracterizava por continuidades. Ora neste
Congresso procurou-se pensar o futuro da historiografia alicerçado
na solidez de uma tradição que integra múltiplos e diversos
contributos. Como afirmou Carlos Barros, a ideia de mestiçagem de
géneros historiográficos é algo que irá fazer parte dos novos
paradigmas. Nesta linha realizou-se uma reflexão sobre a
historiografia do século XX.
Hal S. Barron (Recent
Trends in U.S. Social History (I, p. 51-59) analisou as
principais tendências da História Social construída na última década
nos Estados Unidos.
François Dosse, (Paul
Ricoeur, Michel de Certeau et lhistoire: entre le dire et le
faire, I, p. 61- 94), procedeu a um exercício hermenêutico
entrecruzado da obra de dois dos mais destacados pensadores
franceses do século XX da problemática do tempo. Sergio Guerra
("Las grandes líneas de la producción historiográfica
latinoamericana", I, p. 95-106), evidenciou uma
historiografia particularmente comprometida com os problemas do seu
tempo e "em busca de novos paradigmas que permitam uma identificação
mais profunda com as raízes latinoamericanas". Alisa Ginio (El
problema converso en la historiografia judía, I, 107-112)
apresentou diferentes imagens dos conversos consubstanciadas
em teses de vários historiadores, com particular destaque para
Netanyahu. Harvey J. Kaye (Fanning The Spark of Hope in The Past:
The British Marxist Historians, I, p. 113-119) revisitou a
historiografia marxista, exaltando o compromisso social dos
historiadores que perfilham esta ideologia. Francisco Vasquez (La
historia social espanõla y los nuevos paradigmas: encuentros e
desencuentros, I, p. 219- 230) analisou a recepção que as
diversas tendências da História Social tiveram em Espanha. Fernando
Sánchez- Marcos, (La influencia de la historiografía germánica en
España en el decenio de 1990-1999, I, p. 129-138) destacou
algumas figuras e obras emblemáticas da teoria da história e
historiografia alemãs, obras que, graças às traduções, se começaram
a difundir em Espanha, contribuindo paea diversificar e enriquecer o
debate historiográfico durante muito tempo protagonizado pelas
historiografias francesa, anglosaxónica, italiana e espanhola.
James Vernon (Telling
the subaltern to Speak: Mass Observation and the Formation of Social
History in Post-War Britain, t. I pp. 139-152) apresentou a
experiência autobiográfica da sua formação como historiador social,
ocorrida na era Tatchter e dedicada à investigação sobre as margens
sociais.
Robert Bonnaud
(LHistoire au XXe Siècle. Et après?, I, p. 175-190)
produziu uma notável síntese sobre a evolução da historiografia
francesa no século XX, defendendo que a "nova História" a construir
será mais próxima daquela com que sonhava Henri Berr em 1900, e da
"nova História" braudeliana dos anos 1940-1968, do que da "nova
História" dos anos 1970, 1980 e 1990, uma "nova História velha de
cem anos, renovada, enriquecida pela travessia do
século".
A historiografia de
diversos espaços foi também objecto de debate em mesas redondas
intituladas respectivamente: La historiografia gallega a debate,
El futuro de la historiografia española e La historiografia
latinoamericana y su identidad.
Finalmente e situando-se
num plano de reflexão epistemológica situam-se as comunicações dos
seguintes congressistas: José Carlos Bermejo (Hacer historia,
hablar sobre historia, III, p. 9-21), Claudio Canaparo
(Autopsia, escritura y "theory of Knowing", III, p. 23-27),
Gonzalo Pasamar (La Historia de la historiografía, un tema entre
la retrospectiva y la investigación, III, p. 29-39), Antonio
Urquízar (Apuntes para la definición teórica y metdológica de la
historia de la historiografia del arte, III, p.
41-46).
2.A desconstrução das
teorias do fim da história e da pós-modernidade
O debate sobre a História
na década de 90 foi alimentado pelo título da obra de Fukuyama "O
fim da história". Israel Sammartín (El fin de la historia,
mirado hacia atrás y pensado hacia adelante, I, p 199-212)
analisou o conteúdo da teoria expressa naquela obra, interpretando-a
à luz do contexto ideológico em que foi elaborada, bem como daquele
em que se processou a sua recepção, produzindo um texto modelar de
análise histórica sobre a temática.
Mais do que o título da
célebre obra de Fukuyama, as teorias pós-modernistas anunciaram o
"fim da História" (Carlos Barros). Com efeito, quando não se
reconhecem diferenças metodológicas e epistemológicas fundamentais
entre História e Literatura e se exclui do discurso histórico, de
forma radical, os conceitos de objectividade e verdade, na prática
faz-se tábua rasa de um património de investigação que se construiu
ao longo dos séculos XIX e XX.
Apresentando-se o discurso
pós-moderno, principalmente nas suas expressões mais radicais, como
um dos maiores "inimigos" dos historiadores, compreende-se que o
problema tenha estado em pano de fundo ao longo de todo o Congresso,
constituindo para além disso tema de mesas redondas
(Postmodernidad, Historia e Nova Ilustração, II, p. 357-384;
Historia y discurso, narración y ficción t. II, p. 333- 356),
bem como de várias conferências.
Hayden White foi um dos
pensadores que marcou profundamente o debate sobre a
pós-modernidade. A obra deste autor foi objecto de uma profunda
análise da parte de George G. Iggers (Historiography between
schloarship and poetry. Reflections on Hayden Whites Approach to
Historiography, III, p. 119-128) que interpretou o pensamento do
autor contextualizando-o no tempo em que foi produzido.
3. A narrativa em
história
A publicação do artigo de
Lawrene Stone intitulado The revival of narrative deu origem
a um debate sobre a narrativa em História que tem assumido muitas
ambiguidades e confusões. O problema, a meu ver, foi bem colocado
por Jacques Revel ("Ressourses narratives et connaissance
historique", III, p. 137-152) através da sua análise em
perspectiva histórica. Com efeito, este autor demonstrou que "fazer
história e contar uma história" estiveram sempre associados na
tradição ocidental, tendo servido a narrativa diversas estratégias
de investigação. Neste artigo, Revel chama a atenção para uma dupla
leitura da narrativa na actualidade: por um lado ela poderia
significar um recuo das ambições científicas das ciências sociais;
por outro e, ao contrário, ela pode ser investida de "funções
cognitivas novas", como "recurso", como "uma das formas possíveis de
contribuir para construir e ensaiar uma inteligibilidade dos
objectos", inseparável, de novo, de "uma elaboração crítica da
interpretação".
Por sua vez, Mark Bevir
(Narrative as a form of explanation, III, p. 113-118)
equacionou o problema da narrativa em História demarcando-a dos
pressuspostos teóricos subjacentes à narrativa ficcional e sobretudo
à positivista. Finalmente, Carlos Barros defendeu que "a nova
história narrativa" poderá assumir a forma de síntese entre a "nova"
e a "velha" história, revelando-se também "um bom caminho" para
reconstruir a relação do historiador com a sociedade.
4- Reflexão sobre o
conhecimento histórico
Carlos Barros "profetizara"
nas actas do I congresso Historia A Debate que o bom
historiador do futuro se distinguiria pelo facto de reflectir sobre
"metodologia, historiografia ou teoria da história". Este desígnio
cumpriu-se no II Congresso. Na verdade, a reflexão epistemológica
sobre a história perpassou pela maioria das intervenções orais,
reflectindo-se nos textos escritos. O debate foi particularmente
estimulado pelos discursos da pós-modernidade e constituiu
oportunidade para se revisitar o pensamento de autores do século XX.
Hubert Watelet
(Illusions et sous-estimation du rôle du sentiment dans la
démarche historienne, I, p. 231-246) reflectiu sobre o problema
da objectividade e subjectividade do conhecimento histórico, através
de releitura de vários autores como Ranke, Marrou, Beard, Becker e
Ricoeur. E concluiu afirmando que a análise do problema da
objectividade deve fazer-se com a predisposição de espírito
preconizada por Ricoeur: o historiador deve esforçar-se por afastar
a "subjectividade passional e manter-se no plano de todas as
possibilidades da subjectividade de pesquisa" de modo que a
racionalidade atravesse "o coração do sentimento e da
objectividade". A coexistência da razão com a vontade e a
afectividade constituiu também matéria para uma reflexão muito
estimulante de Francisca Colomer (El sueño de una razón que no
produzca monstruos, II, p. 393- 403)
Hubert Watelet juntamente
com François Dosse, Willen Erauw, Mark Bevir, Jonas Harvard, Eugenio
Piñero e Lawrence McCRANK, coordenaram uma mesa redonda onde se
deram várias respostas à pergunta: Sigue Siendo la historia una
ciencia? (II, 297-322). Nesta matéria enquanto não se enraizar
no seio da comunidade dos historiadores um discurso sobre a ciência
em sintonia com a prática e a teoria científicas do nosso tempo,
discurso que se contraponha ao persistente paradigma positivista,
perdurará a confusão babélica. O reconhecimento da cientificidade do
conhecimento histórico exige ainda uma definição conceptual mais
rigorosa da linguagem utilizada pelo historiador. Um exemplo desta
preocupação foi dado por Eugenio Piñero na sua comunicação (La
historia no es un arte. La historia es una ciencia, II,
p.323-332).
5 - A teoria em
História. Novas proposta de modelos teóricos.
Teoría e historia: uma
relação difícil foi o tema em debate numa mesa redonda.
Paradoxalmente, numa discussão realizada no final de um Congresso em
que o registo dos historiadores se situou fundamentalmente no plano
da teoria do conhecimento (epistemologia histórica), na reflexão
sobre o ofício do historiador e também, ainda que em menor grau, no
plano das teorias explicativas dos processos sociais, o discurso
produzido pelos historiadores nesta mesa continuou a evidenciar uma
relação difícil entre teoria e História. O debate contribuiu, no
entanto, para clarificar aspectos cruciais da problemática. Neste
contexto, ressaltariam as intervenções, na minha opinião muito
clarividentes, da filósofa María Inés Mudrovcic que desfez a
ambiguidade do conceito de teoria decorrente da confusão de
múltiplos planos, através da explicitação da semântica da palavra
teoria (teoria no contexto de res gestae e de rerum
gestarum).
No mesmo plano, situo as
posições de Antonio Campillo, para quem "o historiador moderno se
define precisamente pelo seu trabalho teórico, pela construção de um
objecto e a explicação de uma série de acontecimentos tendo para
isso de tomar opções teóricas" ou de Chenntouf TAYEB que afirmou:
"Temos o laboratório ou os laboratórios de experimentação mais
amplos de todas as disciplinas, que se ampliaram ao longo do tempo
do ponto de vista espacial e geográfico, o que nos dá uma quantidade
muito considerável de factos que podemos recolher, relacionar e
analisar".
Apesar da dificuldade dos
historiadores assumirem que fazem, ou utilizam instrumentalmente a
teoria, é um facto que a fragmentação temática e teórica registada
no seio da História nas últimas décadas constitui um motivo de forte
preocupação na actualidade. Os historiadores manifestam há algum
tempo alguma desconfiança em relação às grandes teorias
macro-sociológicas, aos modelos teóricos que se pretendia que
navegassem em todas as águas. Sentem, no entanto, a necessidade de
pensar a realidade histórica à luz de modelos englobantes, com
escalas a reinventar. Neste sentido, Antonio Campillo apresentou uma
proposta de variáveis a integrar num modelo explicativo da
organização das sociedades na comunicação intitulada (Cuatro
tesis para una teoria da Historia, II, p. 17-30). Por sua vez,
José Piqueras (Historia social e comprensión histórica de las
sociedades, I, p. 121-128) discorreu sobre as diversas
concepções e modelos interpretativos da organização e evolução
sociais, de Hobsbawn a Ginzburg. Situando-se no plano da escrita da
história afirmou: "a questão hoje em dia como sempre, radica em como
interrogar e apresentar os factos empiricamente estudados, dentro de
um modelo interpretativo ou construindo casos que devem falar sobre
si mesmos".
Novas teorias unificadoras
resultarão necessariamente do desafio que a Historia global coloca
actualmente aos historiadores. Esta forma de fazer história
apresenta-se ainda como um problema, facto que se reflectiu no
número diminuto de comunicações sobre este tema. Willem Erauw
aceitou o desafio da abordagem desta problemática numa perspectiva
epistemológica (Writing global history? Narrative Representation
beyond Modernist and Postmodernist Theories of History, I, p.
103-105).
Uma história à escala
global é a ecológica. Micheline Cariño (Historia ecológica: una
nueva síntesis en el marco de la historia global, II, p.
129-137) apresentou neste Congresso uma fundamentada proposta
teórico-metodológica para a investigação ecohistórica, demonstrando
também a pertinência social e a actualidade deste ramo de
investigação. "Ao descobrir as estratégias civilizatórias que
permitiram aos nossos antepassados estabelecer relações menos
abusivas com o meio ambiente podemos enriquecer os projectos de
desenvolvimento sustentável" defende a autora.
No II Congresso Historia
a Debate a reflexão epistemológica e teórica sobrepôs-se à
apresentação de métodos a aplicar à investigação empírica. Esta
dimensão esteve, no entanto, presente em alguns artigos como o de
Ciro Cardoso (Análisis semiótico de peliculas: un método para
Historiadores, II, p. 31-44) e de Lawrence J. McCRANK
(Historical Information Science: a Unidiscipline at The
intercises of History, Computing, and Information Science,II, p.
109-128).
A interdisciplinaridade,
grande utopia do século XX, com algumas concretizações muito
profícuas, continua a considerar-se como necessária tanto ao nível
interno como na articulação com outros saberes que integram agora
para além das ciências sociais, as humanidades e as ciências da
natureza (Carlos Barros). O tema foi abordado em várias
comunicações, sendo também objecto de uma mesa redonda (La
interdisciplinaridade a debate, t. III, 227-246)
6- Territórios do
historiador
No final do século XX,
período que se caracterizou pelo desbravar de múltiplos territórios
historiográficos, é difícil encontrar ainda campos totalmente novos
na investigação. É possível e oportuno, no entanto, revisitar
antigas temáticas. Nesta linha Francisco Andújar (Da "nova
História militar" à história velha e "nova História militarI,
p.9-16) defendeu a renovação metodológica da História
militar, inserindo a componente militar no contexto mais vasto da
realidade social "na totalidade da complexidade
histórica".
Por sua vez Matti Peltonen
(Clues, Margins and Monads. Rethinking the Idea of Microhistory,
II, p. 63-72) analisou as diversas formas de construção
da micro-história apresentando ainda as potencialidades da
convergência entre abordagens micro e macro.
Adeline Rucqoi (El
historiador sujeto-objeto, I, p.191-197) apresentou os
condicionamentos da formação intelectual e vivência do historiador
na selecção da sua futura área de pesquisa.
Há também algums campos
que, pela própria natureza do objecto de estudo, se tem revelado
menos consistentes. É o caso da História das mentalidades e do
simbólico. Neste contexto, Boris Berenzon (La demanda de la
historia al psicoanálisis. Un paradigma entre dos siglos, I, p.
255-262) reflectiu sobre a percepção do simbólico num diálogo
interdisciplinar entre a história e a psicanálise. Por sua vez,
Normam Simms (Using Psychohistory and the History of Mentalities
to Understand the Un(der)recorded Past, I, p. 277-286)
apresentou diversas abordagens teóricas no campo da história das
mentalidades.
É reconhecido por muitos
historiadores que a investigação desenvolvida na área da História
das mulheres, da História pós-colonial, bem como da História das
minorias, para além de terem revelado o papel de sujeitos históricos
até aí ignorados, contribuiu também para uma alteração das teorias
sociais. O fenómeno teve naturalmente expressão neste Congresso.
Assim Barbara Bush reconstruiu, num artigo muito inovador, a
História da mulher negra na diáspora (History, Memory, Myth?
Reconstructing the History (or Histories) of Black Women in the
African Diaspora, I, p. 263-276). A História das mulheres e a
História feita por mulheres foi ainda objecto de debate numa mesa
redonda (Mujeres y hmobres? Una historia comun?, III, p.
279-292) e da comunicação de Isabel Morant (Historia de las
mujeres e historia: innovaciones e confrontaciones, III, p.
293-304).
Para além dos temas já
enunciados foram abordados em mesas redondas vários outros: a saber:
Mitos, historiografía Y nacionalismo; Sexualidade,
história e política; El Historiador y el Poder. Sobre
esta última temática apresentou Luis Reis Torgal a comunicação
intitulada O poder da História. A História do
poder.
7- O compromisso do
historiador com o seu tempo.
A História como ponte entre
passado e futuro (Jerôme Baschet) é uma imagem que nos transporta
para a ideia que o conhecimento do passado é absolutamente
necessário para compreender de forma mais adequada o presente bem
como de construir o futuro. Este tema foi objecto de várias
comunicações apresentadas na sua maioria por historiadores
latinoamericanos ou da Europa de Leste (Eslovénia), áreas em que se
pretende reconstruir identidades enraízadas em experiências
históricas perspectivadas fora do contexto da história oficial.
Sobre esta problemática debruçaram-se os seguintes historiadores:
Irma Antognazi (Necessidad del enfoque historiográfico para
explicar os processos sociales del presente, I, p. 289-298);
María Eugenia Borsani (Tradición: passado, presente y futuro,
I, p. 299-304); Jérôme Baschet (LHistoire face au present
perpetuel. Quelques remarques sur la relation passé/futurI, p.
305-316); Montserrat Huguet, José Carlos Gibaja (Grandes
cuestiones para una historia del tiempo presente, I, 317-322);
Oto Luthar (The Battle for the past: The problem of Historical
Representation and The process of Reinventing History. The Case of
Slovenia, p. 323-326); Carlos Navajas (De la historia del
passado a la historia del tiempo, I, p. 289-340).
Num tempo caracterizado por
conflitos étnicos e religiosos, muitas vezes sangrentos, Karl Acham
(Global Culture its Promise and its discontent, III, p.
49-58) reflectiu sobre o problema da construção de uma coexistência
pacífica. Preservando o que caracteriza o conceito de cultura -
diversidade, diferenciação e complexidade - propôs a construção de
uma "Global culture of human rights".
8- O ensino da história
e a profissão de historiador.
A didáctica da História e o
papel desta disciplina na formação do jovem e do cidadão foi outro
dos temas em debate num Congresso que tentou percorrer a
problemática do mundo historiográfico nas suas múltiplas
facetas.
Joan Corbalán (A
historia no ensino secundário: fazemos história?, II, p.
141-144) defendeu que ensinar é formar pessoas críticas,
participativas, responsáveis e tolerantes, considerando o ensino da
História como o melhor recurso para atingir esse fim. Na mesma linha
Rafael Vals (Consciência histórica e ensino da história (na
educação obrigatória),II, 173-182) dissertou sobre
a "função social que o ensino da história pode e deve cumprir no
ensino obrigatório de uma sociedade democrática e plural". Citando
J. Rusen, para quem "a especificidade da história se situa na
actividade de experimentar e interpretar o tempo para poder
orientar-se através da memória histórica na própria vida", defendeu
o conhecimento histórico como socialmente fundamental.
Marcos J. Correa
(Teoria, Historia y Didáctica, II, p. 145-152) reflectiu
sobre o problema dos pressupostos teóricos subjacentes à didáctica
da história, defendendo a necessidade de um debate epistemológico no
seio da própria História, de modo a sintonizar a didáctica com a
reflexão teórica produzida no seio da disciplina.
As comunicações de Amelia
Galetti e Nidia Pérez Campos, (Memória e contexto: dinamica de um
binómio para a revitalização permanente do ensino da história;
II, p.153-160); Pilar Maestro (História a ensinar: velhas e novas
concepções, II, p. 161-172) e Ana Zavala (A didáctica
da história: entre a teoria do ensino e a metodologia da
história, II, p. 183-194), enriqueceram o debate sobre a
problemática do ensino da História articulando-a com o importante
papel social desta disciplina.
A História é ensinada por
homens e mulheres que se debatem actualmente com vários problemas de
natureza profissional. Para dar expressão e visibilidade a estas
dificuldades, os organizadores do Congesso dedicaram-lhe duas mesas
redondas intituladas: Universidad: acesso al professorado y
carrera docente e Historia, empleo y relevo
geracional.
Conclusão
Num tempo de transição de
paradigmas em que o "velho" e o "novo" se misturam de forma confusa,
com retornos ao positivismo e às velhas certezas da historiografia
do século XIX, enquanto outros optam por um relativismo inspirado
nas concepões pós-modernas e no "turn linguistic", o II Congresso
Historia a debate procurou encontrar "novos e produtivos
consensos", capazes de estabelecer a síntese entre o novo e o melhor
das tradições historiográficas, através do debate e da confrontação
de ideias, num amplo forum mundial em que intervieram historiadores
de todos os continentes, destacando-se a participação muito activa,
criativa e empenhada dos historiadores da América Latina.
Em Santiago de Compostela,
em Julho de 1999, realizou-se assim um "macro-congresso académico"
que consolidou de facto Historia a debate como "lugar de
encontro, discussão, consenso e experimentação dos historiadores do
mundo" (Carlos Barros).
Os textos inseridos nas
actas deste Congresso assumem-se como clara demonstração da
possibilidade de se produzir um discurso profundo e consistente no
seio da própria comunidade dos historiadores, em diálogo
transdisciplinar com saberes provenientes de outras áreas
científicas, sobre o ofício que praticam e o saber que produzem, não
dando todas as respostas, mas apresentando os grandes travejamentos
de um edifício que por natureza está sempre em reconstrução. Os
historiadores têm nas actas deste Congresso matéria de reflexão, bem
como alguns alicerces e linhas de rumo para a reconstrução dos
paradigmas orientadores da historiografia do século XXI.
Margarida Sobral
Neto
(Instituto de História
Económica e Social e Centro de História da Sociedade e da Cultura
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra)
Retroceder |
|